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29 de out. de 2008

A Velha Escola

Já fazem quase 5 anos. Comecei a treinar sem o mínimo propósito, sem expectativas e ambições, sem ter o que esperar, sem saber onde começar, e é assim que muitas pessoas começam ainda hoje.

Demorei por volta de 2 a 3 anos para entender como alcançar o que eu queria, comecei a adquirir uma personalidade nova, uma nova postura diante do treino, e do condicionamento físico, conceitos foram sendo formados e um espírito estava nascendo, eu estava cruzando a barreira entre a busca e o entendimento, e estava sedento pelo que viria adiante.

Inspirados pelos treinos como eram em lisses, empolgado pelo contato que estava estabelecendo com o mundo exterior, todos estávamos começando uma fase diferente, entendendo que o que a gente acreditava que era Parkour, era apenas o resultado de um tortuoso treinamento físico que por longas temporadas excluía qualquer tipo de movimentos. Começamos a entender a parte do “Corpo Forte“, presente no Yamakasi (Corpo forte, Espírito forte). Ouvíamos histórias deslumbrantes sobre os treinos de David Belle, os 1000 landings feitos do “martelo“ do Dame du’Lac, que fizeram até o lendário criador do parkour ficar semanas sem andar direito com as pernas exaustas. A lenda do muro gigante em Lisses que David, faria toda a extensão pendurado, e que os mais fortes tracers que haviam ali, mal conseguiam chegar a metade.

Ouvíamos estas histórias como crianças que se inspiram com contos de fadas, começávamos então a criar um modo de treino tão parecido, e tão extremo que faria até o mais grosso dos atletas sentir preguiça do nosso treino. Desenvolveríamos um condicionamento físico tão incontestável, que não importaria a beleza dos movimentos, e nem a estética visual, faríamos o necessário como guerreiros que treinam pela vida, como se a qualquer momento fossemos entrar numa guerra, e precisar utilizar nossas forças e habilidades por um bem maior. A Aplicação real de nossas habilidades era o maior motivador, precisaríamos ser forte quando necessário, não importa se o necessário nunca chegasse. Na minha cabeça sempre foi preferível estar preparado e não usar, do que precisar e não estar preparado.

Todos treinávamos rigidamente em uma sinergia perfeita, que não importava qual era o numero de repetições que deveríamos fazer, todos fazíamos calados, cada gota de suor que pingava era como um troféu ganho, folhas de arvores e pequenas pedras se amontoavam servido de ferramenta para contabilizar as repetições. Por longas horas não se ouvia um ruído que não fosse respiração, ou pés raspando em muros. O Numero mínimo aceitável de repetições num treino era 100, não fazíamos nada que não fossemos fazer sem vezes, a regra era: Fazer uma vez qualquer um faz, quero ver fazer Cem.

Treinamos por longa data como se fossemos nós próprios nascidos em Esparta, deitar exausto no chão ao final de um treino era a sensação mais gratificante que existia, sentir dores no dia seguinte, ou por toda a semana que viria, era como ter feito o dever de casa. Nos passamos a ser transformados através do treino, nossa personalidade se tornou mais agressiva, nos tornaríamos mais imponentes e menos passivos. Nossas expressões passavam a parecer de doentes de tão magros que nossos rostos ficavam. Nós éramos retratos do que fazíamos, e fazíamos isso bem. Pouco nos importávamos com estudos ou trabalho. Nossas mãos sangravam quase que diariamente, calos e marcas eram como uma hierarquia, e servia para te lembrar de quão duro você estava treinando.

Nunca ficamos tanto tempo sem ter novatos se juntando a nós. Todos eles tinham medo do nosso treino, poucos voltavam depois de um treino. Rumores por todos os praticantes da cidade diziam que nossos treinos eram “rígidos e chatos“, nós fazíamos questão de rir, e não entender como pessoas se contentavam em ser tão fracos.

Voltando lá em lisses na famosa era de ouro, eu sempre me questionava por que David havia se desmotivado, por que o parkour em lisses havia morrido, e que o espírito havia se desfeito, já que nós aqui tão longe conseguiríamos manter esse espírito vivo...

Voltando lá em lisses na famosa era de ouro, eu sempre me questionava por que David havia se desmotivado, por que o parkour em lisses havia morrido, e que o espírito havia se desfeito, já que nós aqui tão longe conseguiríamos manter esse espírito vivo...

Essa nossa época existiu, e acreditem que mal consegui passar a idéia de como eram os treinos pelo que escrevi, hoje em dia me encontro em um estado mental diferente, continuo com meus treinos mas triste e praticamente solitário ao reconhecer que esse espírito com o passar do tempo começou a se desfazer, quem viveu essa época dispõe de uma consciência do que é capaz. Quem conheceu cada um de nós antes dessa fase, consegue ver uma diferença visível entre a personalidade, e o desempenho de cada um, Mas tudo que começa termina...

O lendário parkour de Brasília morreu, temos uma pequena iniciativa que liderei e continuo me esforçando para levar pra frente, tentando passar o espírito que temos para os mais novos, tentando mostrar como chegamos aqui, e que mais importante do que fazer Parkour, é viver Parkour.

Esse texto serve como uma espécie de desbafo sobre o que venho refletindo a respeito do parkour que eu sempre, orgulhosamente me coloquei a frente. Feliz pelos nossos feitos no passado, mas consciente e presente o suficiente para saber que são nossas atitudes no presente que vão definir o somos, e o que seremos no futuro. Me entristece seguir esse caminho cada vez mais sozinho, ver o nosso fim cada vez mais parecido com o Parkour que sucumbiu em lisses.

12 comentários:

Mauricio disse...

poxa beto...eu continuo com meus treinos pesados...sozinho tb..afinal nos dias de semana eu não treino com mais ninguém...sempre sozinho..só encontro vcs no final de semana!!!Em mim a chama dos treinos antigos continua acesa...eu tenho saudades é de treinar pesado junto com a galera...cada um motivando o outro...uma pena eu estar estudando a noite e não poder ir no treino da brtracer!!! Olha o mais engraçado é que onde eu passo e tem gente q conhece parkour e eu falo alguma coisa e cito o NOme Original Frango ahuah o pessoal fala...nossa vc deve ser monstro...e eu pergunto pq?? e a pessoa me responde...é q eu já vi o treino deles...é mt impossivel!!!

Ícaro Iasbeck disse...

Nossa Beto, ter dar os parabéns viu!

As ultimas postatagem estão ótimas, to arrepiado aqui!

"A regra era: Fazer uma vez qualquer um faz, quero ver fazer Cem."

Sucesso rapaz, você merece!

Jarbas Rodrigues disse...

inspiração total, como sempre...
to guardando tudo aqui.
esse texto me deixa cada vez mais forte, sei que "tudo passa" mas emquanto não passa, to na luta, sempre.

Anônimo disse...

Cara que isso, texto perfeito mesmo!. Nossa, de boa, que isso!...

Esta frase eu estou passando por ela:
"e que mais importante do que fazer Parkour, é viver Parkour".

Fiquei triste no final, mas torço pra que isso mude. Parabéns pelo trabalho, exemplo.

Pedro Santigas disse...

Entendo muito bem seu desabafo.
Mas você não está sozinho, caro amigo =)

Duddu Rocha disse...

Pow... nem sei o que dizer direito. É como um amigo ferido e distante do alcance. Somos o parkour brasileiro né? Talvez seja, de fato, a hora de olharmos aqui pra dentro e sentir orgulho do que já possuímos. Nem sempre essa felicidade de compartilhar um treino com pessoas que se gosta e admira pode ser saciada. Mas isso não impede de levantar a cabeça e continuar a fazer a sua parte.

Desejo tudo de bom, rapaz.

Luiz Gustavo disse...

Duddu falou tudo...

esses dias pensei umas coisas similares, triste, mas paciência...

afinal: nem todo mundo nasceu pra ser guerreiro ;)

keep it up nigga!

Uwadahell disse...

a vida é feita de fases,
e mudanças são coisas boas.
mesmo as que parecem ruins,
servem pra repensar a situação e evoluir.

não sei como andam as coisas por ai no dia a dia,
mas duvido que o espírito dos Frangos tenha se perdido!

Marco Gomes disse...

Eu também já pensei no que você falou aqui. O espírito do Parkour de Brasília morreu, os encontros morreram, as sessões de treino arrasadoras morreram... Eu continuo treinando, sempre menos frequentemente do que deveria, mas mantenho essa lembrança viva pra, um dia, trazer o parkour pro centro da minha vida novamente.

Até lá, subo escadaria de quadrupedal de costas, porque no Gama era assim que a gente fazia :)

Anônimo disse...

Realmente Frango, o Parkour em Brasília morreu... será? Temos que levar em conta o modismo. Pratico Jiu-Jitsu tb, teve uma época que o tatame vivia lotado, varias caras novas aparecendo nos dia de treino, pessoas muito boas com bastante agilidade. Mans... com o tempo essas caras novas foram desaparecendo ou partindo para outra modinha. Fui percebendo que só ficou quem realmente gostava do que estava fazendo e quem entrava sabia o que queria fazer nem que fosse por pouco tempo. No Parkou aconteceu a mesma coisa. Lembro que antigamente tinha tanto clã que nem lembrava o nome de todos fora as divisões que rolavam em um mesmo clã: free running, método natural, antigões[kkk]. Varias confusões por causa da mulecada que manchava o nome do Parkour invadindo casas, pulando cercas, falando besteira [kilson supremo senhor caô]. Sem ser saudosista foi gostosa essa época, mas PASSA! O importante e não perde o gás e seguir seu treino. Hoje não pratico o Parkour assiduamente, mas não lembro de um dia sequer que não tenha uma lesão [ninguém e de ferro] ou algum músculo doendo [o ácido lático me persegue.kkk] graças ao meu treino pesado.
Gostei de sua visão samurai: “Na minha cabeça sempre foi preferível estar preparado e não usar, do que precisar e não estar preparado.” Nunca sabemos quando vai explodir uma batalha, esteja preparado!

Vida longa ao Parkour Brasília!

Força e Honra. [Frango]

Poliana disse...

Olá Beto e pessoas!

Esse seu pensamento não é incomum. Andei percebendo isso em alguns "veteranos" e tenho a plena certeza que estamos colhendo o que plantamos. Todos nós que aderimos ao parkour criamos uma identidade própria. Essa identidade foi criada pela grande influência dos nossos amigos que tinham um mesmo interesse. Isso era feito pela descoberta e não pela imposição.
O problema de uma pessoa começar hoje a praticar é, antes de mais nada, ter amigos que se interessem por parkour e saber se esses novos amigos irão aceita-lo. Pensem agora: Quantas vezes nós zoamos uma pessoa no orkut, quantas vezes ridicularizamos uma pessoa que não sabia fazer os movimentos, quantas vezes ficamos reunidos e isolados em encontros, quantas vezes tentamos impor o que é parkour pra nós, quantas vezes condenamos outras formas de treino, enfim, são exemplos? Atire a primeira pedra quem nunca fez isso!!!!!!
Nós afastamos os novatos e não estamos deixando eles voltarem da forma que eles querem. Da forma que fizemos no passado.

Pra mim o parkour está mais vivo que nunca. Adoro poder ligar pra um monte de gente e marcar um treino. Adoro uma pessoa desconhecida vim me perguntar o que é parkour. Adoro falar que os treinos são fixos na semana. Adoro passar o que sei.

Outro motivo é: temos uma vida além disso, estudo, trabalho, família, namoro. Apenas precisamos nos organizar melhor.

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Millano disse...

isso me inspirou a uma nova era :)
obrigado mesmo por tudo que você me ensinou, beto